Vivemos uma era em que a polarização ideológica parece contaminar quase todas as esferas do pensamento humano. O que deveria ser um espaço de reflexão livre e questionadora – a filosofia – muitas vezes se transforma em um campo de batalha para agendas políticas, tanto à esquerda quanto à direita. A filosofia, que já foi chamada de “a mãe de todas as ciências”, está sendo gradualmente substituída pelo que podemos chamar de “félosofia”: uma prática distorcida e enviesada, onde a busca pela verdade é ofuscada por dogmas e interesses ideológicos.
Neste artigo, proponho uma reflexão crítica e provocativa sobre o estado atual do pensamento filosófico e o impacto dessa tendência sobre as novas gerações. Estamos realmente formando pensadores livres ou apenas replicando discursos prontos, embalados pela retórica do momento? Será que ainda temos filósofos ou apenas militantes intelectuais disfarçados?
A Filosofia como Campo do Pensamento Livre
Desde a Grécia Antiga, a filosofia tem sido vista como um caminho para a compreensão profunda da realidade, da moralidade, e da existência. O filósofo, por definição, é um questionador incansável, alguém que não aceita verdades prontas e busca respostas para perguntas que desafiam o status quo. Filósofos como Sócrates, que incomodava os poderosos com suas perguntas, ou Descartes, que duvidava de tudo para encontrar uma verdade sólida, ilustram bem o papel do pensador livre.
Porém, nos dias de hoje, essa essência parece estar em declínio. Em vez de fomentar o pensamento crítico, muitos que se autointitulam filósofos ou acadêmicos da filosofia estão mais preocupados em defender suas preferências políticas. A crítica genuína à realidade é substituída por narrativas que reforçam determinadas visões de mundo, comprometendo a liberdade intelectual. E assim surge a “félosofia”, uma prática que aparenta ser filosofia, mas, no fundo, é guiada por interesses políticos.
Viés Político e a Crise do Pensamento Filosófico
Um dos problemas mais visíveis é o viés político. É natural que a filosofia, enquanto campo de conhecimento, dialogue com questões sociais, políticas e éticas. O que é problemático, no entanto, é quando esse diálogo se transforma em um monólogo. Muitos dos “filósofos” contemporâneos têm se tornado mais alinhados a ideologias do que ao exercício do pensamento livre. Em vez de questionar, muitos defendem suas bandeiras políticas sem abertura para a crítica.
Isso acontece tanto à esquerda quanto à direita. Por um lado, temos pensadores que utilizam a filosofia para justificar ideais progressistas, reforçando uma visão de mundo centrada em pautas sociais e identitárias. Por outro, há aqueles que se apropriam da filosofia para defender valores tradicionais, muitas vezes sem reconhecer a complexidade dos problemas que abordam. Em ambos os casos, o que deveria ser uma reflexão profunda se torna apenas uma extensão da militância política.
Essa politização da filosofia é perigosa porque limita o pensamento. Filósofos devem questionar todas as formas de poder e de autoridade, inclusive as de suas próprias ideologias. Quando deixam de fazer isso, tornam-se reféns de narrativas simplistas e perdem a capacidade de promover diálogos críticos.
O Impacto na Nova Geração: Pensamento ou Repetição?
Um dos maiores riscos dessa “félosofia” é o impacto na formação intelectual das novas gerações. Jovens que deveriam ser incentivados a pensar por si mesmos estão sendo doutrinados a repetir discursos prontos. Em vez de desenvolverem suas próprias visões de mundo por meio da análise crítica, são encorajados a adotar posturas polarizadas, muitas vezes sem um entendimento profundo dos conceitos que estão defendendo.
As redes sociais, com suas bolhas ideológicas, têm exacerbado esse problema. As discussões filosóficas online frequentemente degeneram em debates superficiais e emocionais, nos quais não há espaço para a dúvida ou para a autocrítica. O resultado é uma geração de “filósofos instantâneos”, mais preocupados em ganhar discussões do que em realmente entender as complexidades do mundo ao seu redor.
Filosofia ou Militância Disfarçada?
A questão central que devemos enfrentar é: onde está a linha entre filosofia e militância? Quando um pensador está defendendo uma ideia em nome da busca pela verdade, e quando ele está apenas reforçando uma agenda política? A resposta não é simples, mas um bom ponto de partida é o compromisso com a dúvida e a autocrítica.
O filósofo verdadeiro não teme questionar suas próprias convicções. Ele entende que a busca pela verdade é um processo contínuo e nunca definitivo. Já o militante disfarçado de filósofo tem dificuldade em reconhecer a complexidade das questões que aborda, preferindo certezas simplistas e inquestionáveis. Esse tipo de postura não apenas empobrece o debate filosófico, como também reduz a capacidade da sociedade de enfrentar seus desafios de forma reflexiva e madura.
O Futuro da Filosofia: Caminhos para a Renovação
Para que a filosofia retome seu papel fundamental como promotora do pensamento crítico, é necessário um esforço consciente para afastá-la das amarras ideológicas. Precisamos de filósofos que não tenham medo de questionar tanto a esquerda quanto a direita, que rejeitem os rótulos e as fórmulas prontas em favor de uma reflexão genuína e independente.
A nova geração precisa ser incentivada a pensar por si mesma, a questionar tudo – inclusive as correntes filosóficas predominantes. O objetivo da filosofia não é fornecer respostas definitivas, mas sim expandir nossa capacidade de fazer perguntas profundas. A verdadeira filosofia é aquela que incomoda, que desafia, que não se acomoda em narrativas pré-estabelecidas.
Conclusão: Resgatando o Espírito Filosófico
Chegamos a um ponto crítico, em que devemos nos perguntar: estamos ensinando filosofia ou “félosofia”? Se quisermos resgatar o valor do pensamento crítico em nossa sociedade, precisamos começar promovendo a filosofia em seu estado mais puro – como uma ferramenta para questionar, refletir e, sobretudo, duvidar. Só assim poderemos formar uma nova geração de pensadores livres, capazes de enfrentar os desafios do mundo com profundidade e independência.
A filosofia precisa voltar a ser aquilo que sempre foi: um farol para o pensamento, não uma arma para a militância.
Oswaldo lirolla.